o futuro da leitura e das bibliotecas na era do livro digital

Casa\ da Leitura . Biblioteca Nacional
Proponente: Cristiane Henriques Costa


EMENTA

O livro impresso vai acabar? Como será a biblioteca do futuro? História das tecnologias do livro: pedra, rolo de pergaminho, codex manuscrito, tipos móveis de Gutenberg, e-readers. História das formas de armazenamento de conhecimento: das primeiras bibliotecas ao Google. As estratégias de incentivo à leitura e preservação da cultura e memória oferecidas pelas novas tecnologias. Narrativas em base digital, passividade e interatividade: as fan fictions (obras de ficção escritas por jovens usando seus personagens de livros, filmes e TV favoritos) e seu potencial educativo na formação de leitores. Os games. Os trabalhos colaborativos, em que vários autores escrevem um mesmo texto. As mídias sociais como forma de integração de uma comunidade de leitores.

JUSTIFICATIVA
O sonho de uma biblioteca que abarque todos os livros já escritos não parece mais tão utópico na era do Google Books. Em vez de lamentar e especular sobre o fim do livro impresso, devemos nos preparar para viver a realidade do e-reader. Qual será o papel das bibliotecas neste universo? Livros e leitores eletrônicos vão viver juntos? Por quanto tempo?
É preciso preparar nossos professores, mediadores de leitura e bibliotecários para o futuro. Mesmo os que trabalham em áreas carentes, em que a exclusão digital é uma realidade econômica, percebem que os jovens buscam cada vez mais formas de burlar a falta de um computador pessoal e do acesso à internet, apelando para lan-houses, por exemplo. Celulares e computadores têm se popularizado nas classes mais baixas em direta proporção à queda de seu preço e aumento do número de prestações oferecidos pelo mercado de eletro-eletrônicos.
Políticas públicas também estão sendo implementadas neste sentido. Inspirada nas bibliotecas multimídia de Medelin e Bogotá, a comunidade de 16 favelas de Manguinhos está se preparando para ganhar uma biblioteca multimídia. Serão 25 mil livros, 650 filmes e 3 milhões de músicas numa área multifuncional, com 40 computadores, de 2,3 mil m2. O Alemão e a Rocinha ganharão outras, idênticas. Tudo isso prova que, hoje, o computador não é mais um luxo, mas uma necessidade e parte do direito do cidadão à informação e educação.
Em vez de apontá-lo como um assassino do livro impresso, podemos vê-lo como um aliado para engajar novos leitores. Para isso, precisamos ouvir os jovens, captar sua relação com a literatura e os livros digitais. Perceber oportunidades de tornar a relação com o mundo letrado algo ainda mais prazeroso e estimulante. Temos que nos antenar com as novidades tecnológicas e conhecer o que elas podem nos trazer de oportunidades, sob o risco de não ficarmos defasados num futuro muito próximo.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E METODOLÓGICA
O curso parte do trabalho de historiadores do livro, das técnicas de leitura e das bibliotecas, como Robert Darton, Umberto Eco e Roger Chartier, para traçar um panorama das mudanças por que o conceito de livro vem passando ao longo dos séculos até chegar ao momento presente, quando os três são unânimes em afirmar: vive-se uma revolução nas formas de produzir, transmitir e armazenar informação.
A revolução que torna incerto o futuro do livro e das livrarias, questiona a noção de autoria, abala as bases da indústria editorial, e promete mudar completamente a forma com que o leitor se relaciona com os livros já é chamada pelos especialistas de “A Quarta Tela”. Quais as três primeiras? A tela da televisão, a do computador pessoal e a do telefone celular. A quarta tela com que vamos nos acostumar a interagir diariamente será a do tablet. O iPad, criado pela Apple com base na bem-sucedida tecnologia do iPod, é a estrela desta nova geração de computadores, mas nem de longe a única. Calcula-se que ele dividirá o mercado com pelo menos 50 modelos nos próximos meses.
Nascidos digitais, os novos livros podem prescindir da leitura linear, integrar-se à internet, misturar palavra, vídeo, foto, som e animação, e literalmente explodir em 3D nas telas com cenários em realidade aumentada.
Neste novo universo literário, real e virtual não são mais mundos separados. Objetos tridimensionais saltarão das páginas para interagir com movimentos do leitor e cenários reais. A tecnologia que promete quebrar estas barreiras mostra que tanto a realidade pode ser aumentada quanto a virtualidade diminuída. No futuro, tudo será uma questão de gradação, assim como abaixar e aumentar o som da televisão. Cientistas da computação prevêem que se a web 1.0 foi dirigida para a comunicação, e a 2.0 pela interatividade, a realidade aumentada e o 3D darão a tônica da internet 3.0.
Os novos livros poderão ainda ser reescritos por seus leitores, em experiências interativas e colaborativas que colocam em questão o conceito de autoria e propriedade intelectual. Romances epistolares passarão a ser e-pistolares. Símbolos do SMS podem substituir os travessões. Até mesmo coordenadas geodésicas, como as marcações do Google Maps, podem oferecer estruturas narrativas jamais usadas antes. Games, blogs e chatbots (programas de computador desenhados para similar uma conversação normal entre personagens e leitores) abrem espaço para um nível de interatividade inédito com o leitor.
Ainda é cedo para medir o impacto na criação literária dessa literatura sem papel. O livro eletrônico poderia desenvolver novas formas expressivas, assim como o livro impresso possibilitou o boom do romance e a câmera do cinema? Boa parte das obras produzidas em novos formatos ainda é experimental e não têm mais de 10 anos. Sua produção pode ser conferida em sites como o do ELO (Eletronic Literature Organization) e o portal dedicado à ciberliteratura da Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes. No entanto, as editoras comerciais já começam a fazer suas próprias experiências, como a Simon & Schulster, que criou o vook (vídeo + book). Outras, como a Penguin e a Macmillan já colocaram na rede vídeos demonstrando como seus livros serão reinventados, ganhando recursos interativos, áudio, vídeo, mapas, espaço para anotações e comentários, mecanismos de busca e comunidades virtuais de leitores para trocar ideias.
Apesar de toda a excitação provocada pelos tablets, não faltam leitores que não pretendem abandonar o papel por nada. Seus argumentos são pertinentes. Ler num computador não é tão confortável como ler uma obra impressa (por outro lado, uma biblioteca inteira cabe num e-reader, que pesa muito menos do que um livro normal). É difícil ler um livro na tela porque os olhos se cansam da luminosidade (aparentemente não os das novas gerações, habituadas desde cedo às telas do computador). As baterias acabam, enquanto os livros são eternos (em compensação os livros impressos não podem ser baixados para o seu e-book justamente quando se está horas esperando na ante-sala do médico). Mas alguém tem dúvida de que muitos destes problemas serão sanados com o tempo? A questão hoje não é “Se”, mas “Quando”.
Diretor da Biblioteca de Harvard, o historiador americano Robert Darton faz questão de mostrar que o livro impresso também foi uma tecnologia de leitura, que já desbancou outras, no passado: os rolos de pergaminho e os livros manuscritos, mesmo que sob severos protestos de seus defensores. Nesta área, as mudanças têm sido cada vez mais rápidas. “Da descoberta da escrita até o codex (que é o formato atual do livro), passaram-se 4.300 anos; do codex ao tipo móvel, 1.150 anos; do tipo móvel para a internet, 524 anos; da Internet para os mecanismos de busca, 17 anos; deles para o Google, 7 anos; e quem sabe o que estará ali na esquina ou vindo na próxima onda?”, questiona Darton.
Mais do que o prazer da leitura, a questão diz respeito a um mercado mundial que movimenta bilhões de dólares, produzindo mais de 1 milhão de exemplares novos por ano. Se boa parte for substituída por livros eletrônicos, qual será o impacto para a indústria do livro? Ela pode simplesmente mudar de mãos ou diminuir até 70% de seu tamanho, como a indústria fonográfica? Os e-readers prometem revolucionar os hábitos de leitura, assim como o codex fez com os rolos de papiro. Em vez de duas páginas lado a lado, teremos uma única página, que também servirá para exibir vídeos, acessar a internet e nos comunicar com os amigos. Podemos retomar o hábito de fazer anotações nas margens, sublinhar e usar tags para catalogarmos os que nos interessam. Em vez de comprar livros, poderemos baixá-los numa livraria virtual imediatamente. E, depois de lidos, eles não irão mais ocupar as prateleiras de casa. Teremos bibliotecas gigantes ao alcance de um clique. Vamos poder também interferir nos rumos da história, colaborar, jogar games que decidirão o destino dos personagens, trocar comentários e críticas com autores e outros leitores. Criar e compartilhar nossas próprias histórias, como os autores de fan fiction. Buscar palavras-chave num grande volume de textos e assim destrinchar em poucos minutos a obra de um grande pensador sobre determinado assunto. Ou mesmo de vários pensadores ao mesmo tempo. Poupar muitas árvores de serem abatidas à toa, para a publicação de livros sem importância. Mas qual será o custo disso para o universo da leitura tal como conhecemos hoje?
Seriam os tablets “killer technologies”, capazes de deixar transformar o livro impresso em objeto de museu, ao lado dos daguerreótipos, dos gramofones e até dos primeiros Kindles? Como em todas as discussões milenaristas, podemos dividir os debatedores em duas correntes: os apocalíticos e os integrados.
“Não contem com o fim dos livros.” O título do livro que reúne conversas entre dois dos maiores intelectuais europeus, os escritores Jean-Claude Carrière e Umberto Eco, traz uma mensagem tranqüilizadora para aqueles que temem que a era tecnológica se transforme num Apocalipse que não deixará página sobre página. Ao mesmo tempo, é um exemplo de como a discussão sobre o fim do livro é inútil, porque na maior parte do tempo é baseada em achismos, profecias e experiências pessoais que não são necessariamente compartilhadas pelas novas gerações. Mesmo quando o debate é liderado por pensadores de renome.
O livro é também o lamento de dois homens brilhantes que, como muitos de seus contemporâneos, se vêem como dinossauros soterrados por uma revolução nas formas de escrever, ler e transmitir o conhecimento. “O passado nos alcança a toda velocidade. O futuro é como sempre incerto e o presente estreita-se progressivamente se dilui”, assusta-se Carrière.
Assim como qualquer pessoa comum, o roteirista francês fica surpreso quando seu amigo Umberto Eco, revela-se um velho jogador de fliperama(!) atordoado por uma “derrota acachapante” de 10 a 280 para seu neto de 7 anos num jogo eletrônico que ambos acabavam de experimentar. A derrota leva Eco a reconhecer publicamente que, por mais que tenha devorado bibliotecas, é incapaz de acompanhar a revolução que se anuncia. “Nossa insolente longevidade não deve nos mascarar o fato de que o mundo dos conhecimentos está em revolução permanente e de que não fomos capazes de captar plenamente alguma coisa senão no lapso de um tempo necessariamente limitado.”

METODOLOGIA DE AVALIAÇÃO

A turma será dividida em grupos de trabalho, cada qual responsável por apresentações orais de 20 minutos, refletindo sobre como o livro digital pode ser usado em sua experiência profissional. Ao longo do curso, os grupos serão incentivados a pesquisar entre seus alunos e usuários de suas bibliotecas a recepção ao livro digital, de acordo com formulário a ser elaborado em conjunto. E a estimular exercícios de fan fictions e escrita colaborativa entre eles, medindo sua mobilização em torno das novas formas narrativas. Os resultados serão descritos em trabalho escrito, posteriormente reunidos num paper descrevendo a experiência.


BIBLIOGRAFIA
CHARTIER, Roger.A aventura do livro: do leitor ao navegador. São Paulo: 1997
DARTON, Robert. The case for books: past, present and future. Nova Iorque: Public Affairs, 2009
ECO, Umberto et alii . Não contem com o fim dos livros. Rio de Janeiro: Record, 2009
JENKINS, Henri. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2009 (2ª edição)
MURRAY, Janet. Hamlet no Holodeck. São Paulo: UNESP, 1997

CURRÍCULO RESUMIDO

Cristiane Costa é doutora em Comunicação e Cultura pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisadora do
pós-doutorado do Programa Avançado de Cultura Contemporânea
(Paac). Formada em jornalismo pela UFF, é professora e coordenadora
do curso de Jornalismo da Eco-UFRJ. Foi editora do Caderno Idéias
(suplemento literário do Jornal do Brasil), da revista Nossa
História e do Portal Literal (www.literal.com.br), além de editora
de não-ficção da Nova Fronteira. Coordenou a criação do curso
de Publishing Management - O negócio do livro, da FGV. Foi curadora
dos eventos Eu Vejo Novela e Laboratório do Escritor, no CCBB. É
autora de "Pena de aluguel: escritores jornalistas no Brasil",
pesquisa premiada com a Bolsa Vitae de Literatura em 2001 e
publicada pela Companhia das Letras.